«Os anos 20 (1924-1929) foram anos de prosperidade. O "American way of life" ("estilo de vida à americana") invadiu a Europa. Aos benefícios da sociedade de consumo associou-se a busca de prazer e a evasão e intensificou-se a vida nocturna. Os teatros, os cinemas, os night-clubs e outras salas de espectáculos e de jogos das grandes cidades tornaram-se locais habitualmente frequentados. As novas bebidas (cocktail), as novas músicas (sobretudo o jazz) e as novas danças (charleston, lambeth walk, swing e rumba) passaram a animar a vida nocturna. Rallies de automóveis, corridas de carros e de cavalos e outros desportos (como o futebol) constituíam outros divertimentos que envolviam grandes massas.
O rápido desenvolvimento dos meios de transporte (comboio, automóvel, avião) e dos meios de comunicação (rádio, telégrafo, telefone...) acelerou o quotidiano das pessoas, favorecendo uma maior mobilidade espacial e do ritmo de vida. A moda de viajar entrou nos hábitos e prazeres das classes médias. Às viagens de negócios acrescentaram-se as viagens lúdicas, de turismo, quer no interior dos próprios países, quer para países estrangeiros, criando-se e desenvolvendo-se novas infra-estruturas para apoio destes lazeres: agências de viagens, serviços de hotelaria especializados, mapas, guias turísticos, bilhetes-postais ilustrados, etc.
Paralelamente a este novo estilo de vida, o período entre as duas guerras mundiais caracrterizou-se por uma latente inquietação e instabilidade nos comportamentos sociais. A paz estabelecida pelo Tratado de Versalhes, que pôs fim à 1.ª Guerra Mundial (1919), foi uma paz aparente, já que, na Alemanha e na Itália, o nazismo e o fascismo iniciavam a sua caminhada galopante. A crise de 1929 viria a agravar essa instabilidade gerando mesmo angústias e miséria que iriam ter consequências a todos os níveis.
Evocar épocas históricas marcadas por traços de modernidade, de evolução sociocultural e - porque não? - de sonho e fantasia é uma tarefa difícil por tal forma os acontecimentos se entrelaçam e, ao mesmo tempo, se esfumam. O século que há poucos anos findou, na esmagadora voragem do tempo, foi recheado de acontecimentos que abalaram as estruturas definidas e assentes na sedimentação de condições económicas e sociopolíticas que pareciam inabaláveis.
De entre os pontos fulcrais desestabilizadores situam-se as duas grandes guerras mundiais que envolveram e flagelaram o nosso Planeta, qual delas a mais cruel, trazendo a desolação, o sofrimento e a morte a milhões de seres humanos que tanto esperavam da vida.
O tema deste artigo prende-se directamente com a Primeira Grande Guerra que se estendeu por quatro anos e fustigou o território francês e belga par além de outras operações levadas a cabo em África e Ásia e nos mares.
Finalmente, em 11 de Novembro de 1918 celebra-se o Armistício. A paz tinha voltado!
Alegria esfusiante, por toda a parte, com incidência nas principais cidades de França e Inglaterra. Esqueceram-se dores, saudades pungentes dos seres amados que a morte levou e, naquele momento, a esperança tinha renascido.
Que fazer, agora, no meio dos destroços materiais e morais a que o mundo estava reduzido?
Havia que partir para a reconstrução das ruínas em que se transformaram todos os largos espaços marcados pelas operações de guerra.
Foi com entusiasmo que os arquitectos, operários, engenheiros começaram a executar planos de ressurgimento, inovando, renovando, recorrendo a novos materiais e nova tecnologia.
Ser diferente, libertar-se das amarras de preconceitos vividos desde há longos anos era o grande desiderato.
Se um dilúvio de armas tinha espalhado o horror e o ódio impunha-se que, na alegria e no espírito se encontrasse o antídoto capaz de fortalecer as energias necessárias para se ressurgir da lama e das cinzas.
Assiste-se, então, ao movimento que marca uma década revolucionária, feita de charme e encantamento.
São "Os Loucos Anos 20". A fantasia, o arrojo, a criatividade dão-se as mãos e, em todos os domínios, o progresso vai-se instalando.
Como os Estados Unidos da América entraram na guerra e contribuíram decisivamente para a vitória dos Aliados, a Europa associa-se à sua extravagância, imita e admira a originalidade vindas das terras do Tio Sam.
As guerras são uma faca de dois gumes e, assim, ao lado da miséria em que mergulham tantas famílias despojadas de todos os haveres e trabalho, outros prosperam nos negócios, na industria, na exploração de serviços financeiros e de outra ordem, o que permite a transformação precipitada da sociedade.
A inovação necessita de uma sólida situação económica, para se impor, o que não faltou à década de vinte.
Deste modo, podiam ser satisfeitos os caprichos de uma sociedade ávida de entretenimento, de luxo e de cultura.
O espírito de aventura está presente nos homens e mulheres deste período, competindo em provas difíceis, como a acrobacia aérea, as corridas de automóveis, a escalada de montanhas, desafiando o Everest ou altos picos da Europa.
O lazer dá lugar às longas viagens feitas por mar ou por terra, aproveitando o grande desenvolvimento das vias férreas e dos comboios cómodos e luxuosos. As famílias endinheiradas queriam conhecer monumentos, cidades famosas e divertimentos.
O desporto é praticado, largamente, nas modalidades elitistas: o golfe, o hipismo, o ténis, a caça. Surgem, então, os grandes nomes que praticam algumas destas modalidades.
A ciência abstracta e aplicada conhece um grande desenvolvimento, o mesmo acontecendo com a tecnologia que permite o aperfeiçoamento de algumas modalidades praticadas, até então, como entretenimento.
A fotografia e o cinema conhecem um grande aperfeiçoamento, sendo o cinema considerado a Sétima Arte.
De facto, nos Anos 20, destacam-se actores que são vistos como ídolos pela juventude do tempo.
Charles Chaplin, o Charlot, é o maior cómico que se notabilizou quando o cinema não tinha som. Os seus filmes eram uma crítica à sociedade do tempo, que marginalizava as crianças, os homens e mulheres maltratados pela vida ou explorados no seu trabalho.
Com as suas momices, os seus trejeitos que faziam rir, corria um rio de sensibilidade e de ternura.
Douglas Fairbanks era actor da espada bem manejada, escalando varandas, em filmes cheios de acção que entusiasmavam os espectadores. Os temas andavam à volta de figuras intemporais com o castigo dos maus e a recompensa dos bons. Com a introdução do som e da cor na Sétima Arte, redobra a admiração dos que vão ver os grandes actores e realizadores vindos dos Estados Unidos, mais propriamente de Hollywood - a Meca do cinema.
King Vidor, Frank Kapra, Clara Bow, a esfíngica Greta Garbo, a sensual Marlene Dietrich são nomes que perduram.
Os espectáculos musicais - no palco ou no ecrã - conhecem um grande impulso. Bailarinos como Fred Astraire, cuja actividade se estende pelos anos fora, contribuiram para o encantamento dos figurantes que, num sincronismo perfeito, se moviam como se de um só corpo se tratasse.
A França é, na Europa, o paradigma do gosto continental. Paris é a "cidade luz", é a chama inspiradora de toda a forma de criatividade. Os teatros Moulin Rouge e Folies Bergères escutam os aplausos delirantes dos que assistem à exibição de cantores, como Maurice Chevalier - um verdadeiro homem do palco - que evidenciava toda a sua capacidade histriónica dando vida e sentido às suas interpretações. Ninguém como ele diria melhor, no refrão de uma canção " Paris, Paris, toujours Paris!"
A música conheceu grandes modificações, nos ritmos e no predomínio de alguns instrumentos musicais (o saxofone, trombone de varas e bateria) tudo conjugado para acompanhar novas formas de dança, como o Charleston e outras muito apreciadas
È uma época de compositores famosos como George Gershwin, autor de Rhaposody in Blue e Porgy and Bess, e Irving Berlin (morreu com cem anos) Strawinsky, Ravel, Messaem.
Todas as áreas do pensamento criativo foram invadidas por novos conceitos de expressão artística, por isso se encontram novos estilos e formas de expressão na pintura, na literatura, na arquitectura, no teatro e no bailado.
Picaso, Dali, Miró, Lurçat, Mondrian, Munch acompanham o movimento global e impõem-se pelos temas escolhidos e pela forma e, sendo já conhecidos, passam a ser mais bem compreendidos, na expressão do cubismo, futurismo e surrealismo e no uso das cores vivas e fortes, vibrantes.
A arquitectura não podia fugir a esta revolução avassaladora embora se notasse uma modificação das estruturas, desde o fim do séc. XIX. Porém havia que criar formas novas e ousadas.
Bauhaus, na Alemanha, Le Corbusier (um arquitecto do mundo), Gaudi, em Espanha marcam as grandes modificações arquitectónicas assentes na racionalidade das linhas geométricas.
A arte deco - de que se encontram, felizmente, algumas casas em diversas cidades do nosso país - impõe-se pela beleza da geometria das suas linhas, da cor e das artes decorativas que as adornam.
A literatura é servida por poetas e prosadores de que alguns ficaram como postos de referência na literatura universal. A originalidade de alguns temas tratados, e a forma como os seus autores o fizeram, configuram-nos com uma inspiração tocada pela asa da fantasia desmesurada.
Dizia-se, então, que opiáceos em doses moderadas e controladas ajudavam à criatividade de alguns intelectuais do tempo.
Entre os escritores notáveis contam-se Somerset Maughman, Thomas Mann (prémio Nobel), T.S.Eliot (prémio Nobel), James Joyce, F.S. Fitzgeral, Mário Césarini, Fernando Pessoa, Almada Negreiros e tantos outros.
O bailado clássico tinha muitos admiradores, em tempos anteriores. A revolução russa de 1917 fez afluir a Paris alguns daqueles que, dedicando-se a uma vida criativa e intelectual, recearam fazer parte das purgas entretanto instaladas.
Entre artistas plásticos, músicos, escritores vieram bailarinos famosos e outros muito dotados.
Os bailados de Diagilev dão um grande incremento a esta actividade artística, fazendo conhecer danças lindíssimas, de difícil execução, tendo por tema lendas, histórias de amor, sofrimento temperado pela entrega à utopia. Destacaram-se bailarinos como Nijinsky, Ana Pavlova, Ninette de Valois, Marta Graham, Isadora Duncan que criou escolas em vários países da Europa.
Todos deram a conhecer novos passos, novas formas de execução, exaltando a beleza do corpo obedecendo à sensibilidade criativa.
Não cabe neste despretensioso artigo referir toda a riqueza sociocultural dos Anos 20.
È evidente que, nestes curtos anos, a vida das pessoas se transformou. Algumas pessoas sofreram mais aceleradamente os efeitos dessas modificações. Outras, assimilaram, mais lentamente, a oferta que lhes era proporcionada para saírem da vulgaridade.
Porém, venceu, em força, o movimento mais ousado. A mulher teve, um papel relevante no grito de liberdade que ficou a ecoar pelo espaço e pelo tempo.
A guerra, terminada há pouco, era um pesadelo cuja lembrança devia ser relegada para bem longe. Guindada a uma situação que a maior parte das mulheres da classe média desconhecia - o acesso ao ensino oficial secundário e superior, e ao emprego - a mulher libertou-se de várias formas de aprisionamento, desde o vestuário que se tornou mais leve e amplo, até preconceitos inexplicáveis racionalmente.
Ela é a grande impulsionadora da loucura, é a atracção, por excelência, é a visibilidade do próprio movimento.
Os divertimentos - desde os desportivos, aos dos casinos, salões de baile, cinema e teatro - exigem vestuário feminino e masculino diversificado, daí que a moda constitua uma exigência e um imperativo.
Conforme as circunstâncias, assim se usa o vestuário.
Os vestidos apresentam-se arrojados, a saia pelo joelho, feitos de tecidos leves, de corte elegante, cintura descida quase sempre rodados, cores suaves bem combinadas.
Para ocasiões solenes, à noite, os vestidos compridos, elegantíssimos, combinavam-se com os abafos caros, de tecidos leves e quentes, adornados de peles valiosas.
E que dizer dos sapatos? Havia vários modelos desde os sapatos decotados adornados com fivelas enfeitadas de pedrarias ou outros motivos mais singelos até aos de presilha com o rebordo destacado por pele de outra cor. Os saltos não eram muito altos.
Os chapéus que já se usavam desde finais do século XIX - tornam-se indispensáveis, como complemento das toilettes trazidas durante o dia.
Os modelos de chapéu adaptaram-se ao corte de cabelo que, designado por "à la garçonne", se inspirara na cabeça de uma rapariga do povo. Era um corte impecável que deixava o cabelo curto, de forma a descobrir o pescoço, mas acompanhando o contorno da cabeça. Havia mulheres que cobriam a testa com a franjinha, dando mais realce aos olhos e às maçãs do rosto.
Os chapéus, bem enterrados, na cabeça, com uma pequena aba, enfeitados com penas ou aplicações de missangas e pregos vistosos adaptavam-se muito bem a este corte de cabelo.
Outras mulheres preferiam os cabelos frisados, ora em caracóis volumosos ou em ondas largas feitas com ferro especial, de uso conhecido. Era o penteado "à marcel".
Os colares de pérolas longos, até abaixo da cintura, tornaram-se indispensáveis quando as jovens dançavam o "charleston", agitando-os, ao ritmo desta dança frenética, dominadora nos salões de baile, comunicativa e alegre.
Jóias preciosas ou réplicas, perfeitas e belas (como o testemunha a colecção LaLique do Museu Gulbenkian) davam à mulher uma maior atracção.
A sensualidade e a coqueterie são o apanágio da postura do elemento feminino cuja graciosidade e finesse se tornam mais sensíveis, quando de uma longa boquilha saíam espirais de fumo quem lentamente, se evolavam no ar.
A maquilhagem era bem aplicada, de forma a fazer realçar os olhos e a boca. As sobrancelhas eram cuidadosamente delineadas, as pestanas arqueadas e fixadas com rimel.
Tonalidade de azul ou um tom negro marcavam os olhos que se queriam brilhantes e loquazes, como elemento atractivo indispensável da mulher que busca o amor ou o devaneio.
As faces, ruborizadas por carmim bem espalhado, disfarçavam o cansaço ou a doença. A boca pintada com requinte, pronunciando bem o lábio superior, em efeito de coração, rematava o conjunto da face que devia ser apelativa, nimbada por uma expressão sorridente que, conforme as circunstâncias, era prometedora ou esquiva.
As unhas longas em bico, pintadas de vermelho rubro, com a meia-lua destacada prolongavam os dedos dando às mãos um ar aristocrático.
São inseparáveis deste tempo os nomes de alguns costureiros cujas casas vieram a dar nome a algumas dos nossos dias, como Dior e Yves Saint-Laurent.
Os estilistas que, então, se impuseram foram Jean Patou e, especialmente, Coco Chanel.
As mulheres mais elegantes - qualquer que fosse a sua posição social - procuravam avidamente os modelos destes senhores da moda, na ânsia de aparecerem com vestuário original e rico.
A nossa época, nesta vertente de aspectos sociais, aproxima-se - ou ultrapassa? - do que então se praticava.
Estes anos 20 trouxeram consigo um novo mundo agitado, divertido, uma ânsia enorme de mergulhar na alienação para esquecer o tempo real, exigente e conviver na intemporalidade do sonho.
Porém, a medalha tem duas faces: o verso e o reverso.
No dia 29 de Outubro de 1929, A Bolsa da Valores de Nova York registou a maior baixa da sua história e os investidores perdem todos os seus valores. Suicídios, desnorte, desmoralização é o que resta.
Os Estados Unidos que eram, já, o colosso económico e dominador dos mercados arrastam, na sua queda, a Europa e a economia de todos os continentes.
O mundo fica mais pobre!
O desemprego e a miséria trazem consigo a desordem e a desestabilização social.
Está aberto o caminho à instalação de regimes ditatoriais, em alguns países, com maior incidência na Itália, Alemanha e países ibéricos.
Para trás ficaram o sonho, a fantasia, a extravagância, a vida descuidada e desoprimida.
Precisamente dez anos depois, em Setembro de 1939, os homens, as mulheres e as crianças assistiam, atónitos, ao deflagrar de outra guerra - esta bem mais devastadora e globalizante do que a de 1914.
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